Manuel Vieira é o líder do Grupo Desportivo de Castelo de Paiva, há tantos anos quantos o país tem de democracia. Um empreendedor do pós-25 de abril, que hoje está em entrevista no site da Associação de Atletismo de Aveiro
Manuel Vieira tem tantos anos de presidente do Grupo Desportivo de Castelo de Paiva como o país tem de democracia. A antiguidade no posto vale, por si só, uma entrevista. Aliás, “a” entrevista que se impunha. Sem rodeios e liberto de quaisquer amarras, o presidente responde às questões num assomo de frontalidade e crítica. O Grupo Desportivo, esse, é descrito como uma família: “o clube é nosso!”, afirmou, a determinada altura
Associação de Atletismo de Aveiro (AAA) - É dirigente do Grupo Desportivo de Castelo de Paiva desde a sua fundação. Como é que se deu a sua entrada no atletismo?
Manuel Vieira (MV) – O 25 de Abril teve o condão de fazer evoluir as mentalidades. Essa evolução originou que alguns paivenses, eu incluído, sentissem a necessidade de proporcionar, principalmente aos jovens, a possibilidade de praticar outra actividade física para além do futebol. Assim, nasceu o Grupo Desportivo.
AAA – Estar no ativo há tantos anos consegue-se de que forma? O que é que o mantém motivado?
MV – É uma questão de mentalidade. Percebi muito cedo que teria muito a ganhar se me dedicasse a esta causa. Intui que a prática desportiva, o dirigismo iriam fazer de mim melhor pessoa, uma pessoa mais saudável, moderna e jovem. Partindo destes pressupostos, a motivação não esmorece, cresce.
AAA – Que recordações positivas e negativas o marcaram no atletismo?
MV - Felizmente o atletismo tem-me ofertado muitas alegrias. Retenho como mais relevantes: a primeira seleção de Aveiro (Domingos Carvalho) o primeiro título de campeã nacional da Amélia Vieira, aqui com o duplo significado dado tratar-se da minha filha os cinco elementos do Grupo Desportivo que representaram Portugal os títulos coletivos. São muitas, muitas mesmo, as alegrias. Factos negativos, a discriminação com Amélia Vieira, protagonizada pelo director técnico da FPA, Fernando Fernandes, e o não cumprimento, por parte da FPA, dos regulamentos em uma Taça de Portugal de Corrida em Montanha.
AAA – O Grupo Desportivo de Castelo de Paiva está bem e recomenda-se. Qual é o segredo?
MV - Criamos uma espécie de mística, trabalhamos muito os aspectos colectivos, fizemos do Grupo Desportivo parte integrante da nossa família, gostamos de ter connosco vários elementos da mesma família, no meu caso, e dando como exemplo, sou dirigente, orientador e atleta, a minha esposa é treinadora e atleta, a minha filha é dirigente e atleta, nos órgãos sociais a maioria são atletas, o que faz com que possamos afirmar: o clube é nosso!
AAA – Quantos atletas estão inscritos pelo Grupo Desportivo de Castelo de Paiva?
MV – O Grupo Desportivo começou com o atletismo. Contudo, foi-se abrindo a outras práticas: karaté, yoga, ginástica, ciclismo e ballet. Fizemos uma bandeira ecléctica, mais de 300 praticantes sentem orgulho de pertencer a esta família desportiva e cultural, que nos levou a criar o dia do Grupo Desportivo (10 de Junho). Nesse dia, há debates e todas as secções apresentam atividades públicas.
AAA - De que forma fazem o recrutamento de novos praticantes?
MV - Desenvolvemos mensagens positivas, damos a conhecer as vantagens da prática desportiva nas várias vertentes, social, afectiva, robustez, etc.
AAA - Em termos pessoais, e pretendendo uma resposta na qualidade de dirigente, que objetivos tem para o futuro?
MV - Estamos a trabalhar em cima de ciclos de 10 anos, fechamos este em 2014. O próximo está a ser elaborado dando atenção a todas as situações que interferem na nossa atividade. Assim, vamos acautelando todos os itens: sociais, laborais, culturais, apostando no indivíduo, com resultado final num coletivo forte e, assim, fundamentamos que o futuro é fruto das nossas escolhas, será o que quisermos. A safra é, para nós, fruto daquilo que semeamos
AAA - Qual é o diagnóstico que faz sobre o atletismo português?
MV - O atletismo português não soube capitalizar os triunfos alcançados, não tem tido dirigentes autónomos, colocou-se à mercê de migalhas vindas da mesa de uma modalidade nova – futebol –, que a partir da década de 50 do século XX alienou uma grande parte do nosso povo. O atletismo precisa de encontrar o seu caminho, não ser subserviente como aconteceu no Euro 2004 em que pactuou com esse devaneio. Temos matéria-prima, sem complexos, temos que saber escolher os nossos parceiros, exigir competência.
AAA - Considera que a nível internacional, Portugal pode aspirar a novas conquistas, nomeadamente nos Jogos Olímpicos onde há muito estamos arredados do ouro?
MV - Esta “aldeia global” é muito simétrica. Através de trabalho elaborado, não vislumbro a possibilidade de preparar atletas para os grandes eventos internacionais, a mediocridade das instituições nacionais só pode “parir” medíocres. Contudo, como aconteceu no passado, pode acontecer que surja alguém que não se importe de hipotecar o seu futuro e invista na carreira desportiva. Se isso acontecer, por convicção, posso afirmar: há, ainda, alguns Carlos Lopes, Mamedes, Fernandas Ribeiros, etc, em Portugal
AAA - Para terminar, que mensagem gostaria de deixar para a família aveirense do atletismo?
MV - Aveiro é um rico distrito, do litoral à montanha. Aveiro tem condições para ser a maior potência nacional. Precisamos de convergir em vários itens, abandonar querelas paroquiais. Quando o conseguirmos, Aveiro assumir-se-á com o grande polo do atletismo de Portugal. Economicamente, estamos falidos, mas como se sabe o atletismo está habituado a contabilizar a riqueza humana. Assim, se dermos as mãos faremos do atletismo a disciplina desportiva mais próspera de todo o nosso distrito.